quarta-feira, 25 de maio de 2011

Ecologia Profunda, a ecologia Não Dualista


A natureza, cuja evolução é eterna, possui valor em si mesma, independentemente da utilidade econômica que tem para o ser humano que vive nela. Esta idéia central define a chamada ecologia profunda – cuja influência é hoje cada vez maior – e expressa a percepção prática de que o homem é parte inseparável, física, psicológica e espiritualmente, do ambiente em que vive.

Na nova era global, milhões de pessoas voltam a perceber que o sentimento de comunhão com a natureza é um dos mais elevados de que o ser humano é capaz, e fonte de grande felicidade. Não é coisa do passado ou um costume do tempo das cavernas. Ao contrário, deverá marcar as civilizações do futuro. Em qualquer tempo histórico, o convívio direto com a natureza foi e será um fator decisivo para o bem-estar físico e psicológico do ser humano.

A expressão ecologia profunda foi criada durante a década de 1970 pelo filósofo norueguês Arne Naess, em oposição ao que ele chama de “ecologia superficial” – isto é, a visão convencional segundo a qual o meio ambiente deve ser preservado apenas por causa da sua importância para o ser humano.

Ao nível superficial, o homem coloca-se como centro do mundo e quer preservar os rios, o oceano, as florestas e o solo porque são instrumentos do seu próprio bem-estar. Quando olha para o meio ambiente com esta preocupação, o homem só enxerga os seus próprios interesses, já que, inconscientemente, se considera a coisa mais importante que há no universo. Olha a árvore e vê madeira. Olha o solo e vê o potencial agrícola ou a possível exploração de minérios. Olha o rio e vê um curso d’água navegável por barcos de determinado porte. Ele sabe que deve preservar os chamados recursos naturais, porque são preciosos. A natureza para ele é um grande cofre, abarrotado de riquezas renováveis, mas que deve ser cuidadosamente preservado. Daí a necessidade de autoridades ambientais atuantes e uma boa legislação que preserve o meio ambiente.

Este nível da consciência ecológica tem importância, porque faz com que os seres humanos questionem seu comportamento econômico e comecem a perceber mais claramente que a ética, afinal, dá bons resultados. A postura mais primitiva, de mera pilhagem, vem sendo deixada de lado em grande parte da economia. As políticas públicas de meio ambiente têm reforçado até hoje prioritariamente este primeiro nível, claramente insuficiente, de consciência ambiental. A multa, a repressão, a aplicação da legislação ambiental e a fiscalização seriam instrumentos muito úteis a curto prazo, se no Brasil a política nacional de meio ambiente não tivesse sido tão persistentemente esvaziada.

Mas as boas notícias são mais fortes que as más. Uma nova consciência empresarial já repensa o conjunto das atividades econômicas a partir da meta de administrar sabiamente, a longo prazo, os recursos naturais. As gerações mais recentes de empresários e executivos trazem consigo uma forte consciência ambiental. Sua atitude é compatível com a descrição holista do universo e com a ecologia profunda. Progresso econômico e bem-estar material deixam de ser inimigos da preservação ambiental ou da busca espiritual. As novas tecnologias permitem aumentar a produção, ao mesmo tempo que se diminui, radicalmente, o impacto ambiental. O verdadeiro progresso econômico – surge agora um consenso em torno disso – deve ser socialmente justo e ecologicamente sustentável. As medidas convencionais e de curto prazo para a preservação ambiental combatem os efeitos da devastação e pressionam pela gradual adaptação das atividades econômicas às leis da natureza. Mas a ecologia profunda dá um sentido maior às estratégias convencionais de preservação. Atacando as causas ocultas da devastação, projeta e estimula o surgimento de uma nova civilização culturalmente solidária, politicamente participativa e ecologicamente consciente.

Em última instância, as causas da destruição ambiental são o individualismo ingênuo, o sentimento de cobiça material sem freios e a ilusão de que o ser humano está separado do meio ambiente, podendo agir sobre ele sem sofrer as conseqüências do que faz. Ter isto claro é importante. No entanto, não basta uma percepção teórica deste dilema ético. Além de compreender intelectualmente o princípio da unidade ecológica de tudo o que há, é oportuno vivenciar e deixar-se inspirar pelo sentimento da comunhão com a natureza. Deste modo, aprende-se a colocar cada um dos processos econômicos e sociais a serviço da vida, já que é absurdo pretender inverter o processo e colocar a vida a serviço deles.

Não há, pois, oposição real entre a ecologia convencional ou de curto prazo e a ecologia profunda ou mística. São dois níveis diferentes de consciência. Ambos são indispensáveis, e são mutuamente inspiradores. Foi em meados da década de 1980 que diversos pensadores – Warwick Fox, Henryk Skolimowski e Edward Goldsmith, além do próprio Arne Naess – começaram a produzir textos variados a partir do ponto de vista da ecologia profunda. A nova física e a nova biologia, com Fritjof Capra, Gregory Bateson, Rupert Sheldrake, David Bohm, e também os trabalhos científicos de James Lovelock e Humberto Maturana, entre outros, deram legitimidade científica à ecologia profunda. Em sua vertente religiosa, esta corrente de pensamento tem ampla base de apoio na tradição mística de todas as grandes religiões da humanidade. São Francisco de Assis, padroeiro da ecologia, está longe de ser uma figura isolada.

Cauteloso, Arne Naess recusou-se a criar um sistema racionalmente coerente – um circuito fechado de idéias – capaz de limitar o conceito de ecologia profunda, e manteve-o como uma idéia aberta segundo a qual a variedade da vida é um bem em si mesma. Para Naess, esta ecologia surge do reconhecimento interior da nossa unidade com a natureza. O fato nem sempre requer explicações e muitas vezes não pode ser descrito com palavras. Mas a ação freqüentemente mostra com clareza o que é ecologia profunda.

Em certa ocasião, um rio da Noruega foi condenado à destruição para que fosse construída uma grande hidrelétrica. As margens do curso d’água seriam inundadas para que se fizesse o lago da barragem. Um nativo do povo Sami recusou-se, então, a sair do lugar. Quando, finalmente, foi preso por desobediência e retirado dali à força, ele não teve opção. Mais tarde a polícia perguntou-lhe por que se recusara a sair do rio. Sua resposta foi lacônica:

“Este rio faz parte de mim mesmo”.

O indígena estava certo. O meio ambiente faz, realmente, parte de nós mesmos. São dele o ar que respiramos e a água que compõe 70 por cento do nosso corpo físico. Dele vêm os nutrientes que renovam a cada instante as nossas células. Esta unidade dinâmica não está limitada ao plano material da vida, mas também é psicológica e espiritual, mesmo que alguns de nós não tenham plena consciência disso.

Trexo extraído da introdução do livro “A Vida Secreta da Natureza” do jornalista Carlos Cardoso Aveline.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Neste domingo, Marina e SOSCódigoFlorestal


Tod@s acompanhamos os esforços e conquistas de Marina Silva e dos aliados políticos e movimentos socioambientais em defesa do Código Florestal Brasileiro. Entenda a questão e leia a análise técnica do relatório de Aldo Rebelo.

Também acompanhamos as notícias sobre os ataques infundados que Marina Silva sofreu na tentativa desesperada de Aldo Rebelo de desviar as atenções de si na Câmara dos Deputados. Leia sobre o assunto.

Certos de que ela é um exemplo de ética, cidadãos e cidadãs de todo o Brasil se mobilizaram em seu apoio na internet, twitter, blogs e redes sociais. Chegou a hora ir também às ruas.


Vamos mostrar que estamos com Marina Silva
na defesa do Código Florestal e de um Brasil justo e sustentável.


Para quem estiver em São Paulo no próximo domingo, dia 22 de maio, a Campanha Nacional da Coalizão “SOS Florestas: o Código Florestal em Perigo” promove ato em defesa das florestas, das áreas de preservação urbanas e rurais e da ética para com a qualidade de vida das atuais e futuras gerações.

A concentração começa às 9h na Marquise do Parque do Ibirapuera. Confirme sua presença na página do evento no Facebook. Venha com sua camiseta do MovMarina e traga seus cartazes, megafones, cataventos... Dá para baixar materiais de mobilização e fazer você mesmo. É só entrar aqui.

Quem não estiver em São Paulo, promova uma mobilização em sua região! Baixe dicas e os materiais de mobilização no site do SOS Florestas e mostre, com seus amigos, que o Código Florestal Brasileiro não pode ser queimado. Não se esqueça de registrar tudo com fotos e vídeo e colocar no site do Movimento.

Ao pessoal do agito no Parque do Ibirapuera, nos vemos lá!
Quando: Domingo, dia 22 de maio, às 9h
Onde: No Parque do Ibirapuera, em São Paulo



Visite Movimento Marina Silva em: http://www.movmarina.com.br/?xg_source=msg_mes_network

sábado, 14 de maio de 2011

RECRIAR – Ciclo de debates sobre os resíduos sólidos


O CECA - Centro de Educação e Cidadania Ambiental realiza nos dias 26 e 27 de maio o evento Recriar - Ciclo de debates sobre resíduos sólidos. O objetivo é debater os temas relacionados à Política Nacional de Resíduos Sólidos, que dispõe sobre a gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, observada a seguinte ordem de prioridades: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. As palestras serão ministradas por representantes das principais entidades do setor, além de especialistas no assunto.

Data: 26 e 27 de maio de 2011.
Local: Auditório da OAB Santa Catarina.
Informações: (48) 4141 3901

Valor da inscrição
- Profissional: R$ 70,00
- Estudante: R$ 35,00

Formas de pagamento
- Depósito bancário;
- Pagamento no CECA;
- No local do evento (auditório OAB Santa Catarina)

Dados bancários para depósito
- Banco do Brasil
- Agência: 3544-0
- Conta Corrente: 98 287-3
*Os comprovantes de depósito feitos em conta deverão ser encaminhados via email para contato@projetoceca.com.br ou apresentados quando da chegada do participante no evento.

Formulário de inscrição, clique aqui!

(CECA, 10/05/2011)

segunda-feira, 9 de maio de 2011

China enfrenta desertificação acelerada


Em Turpan, no noroeste do país, os sistemas tradicionais não conseguem mais atender à demanda de água

Sentado ao lado de seu pai no quintal de uma antiga casa tradicional uigure de tijolos ocre, Kalik comemora: “Nós conseguimos produzir 500 quilos de uva por dia”, diz. Essa produtividade é um milagre, considerando as condições climáticas às quais está submetida Turpan, oásis situado em pleno deserto, na região de Xinjiang, extremo noroeste da China. O solo é seco, muitas vezes arenoso. As chuvas não passam de 20 milímetros ao ano. Reportagem de Harold Thibault, em Le Monde.

O jovem sabe que deve sua produção, que sustenta toda sua família, ao canal que passa a alguns passos da propriedade e foi escavado quatro séculos atrás. É uma das artérias do karez, um sistema de irrigação que remonta a mais de dois milênios e que serviu de corda de segurança para esse oásis, funcionando como parada para as caravanas que tomavam a antiga Rota da Seda. Esses canais de irrigação, outrora chamados de “qanats”, se encontram em diversas regiões áridas da Ásia Central.

“A água é doce, ela provém diretamente da Tian Shan”, explica Kalik, evocando as Montanhas Celestiais, a cordilheira que atravessa a região a quilômetros de Turpan. A rede de canais subterrâneos permite que a água das montanhas chegue até essa depressão, ao mesmo tempo em que evitam a evaporação nessa zona onde a temperatura pode chegar a 50 graus Celsius durante os meses de verão.

Na frente da casa ainda florescem cerejeiras, mas o milagre tem sido colocado duramente à prova há alguns anos. A algumas ruas de lá, os trabalhadores migrantes se empenham nos canteiros de obras de concreto, que aos poucos vão tomando conta dos antigos bairros tradicionais. O sistema de irrigação acompanha com dificuldades o ritmo de crescimento. Turpan não escapa da urbanização maciça e da superexploração dos recursos naturais. Para uma cidade chinesa, ela continua tendo uma dimensão modesta, mas a população hoje ultrapassa os 600 mil habitantes, sendo que em 1949 ela possuía 67.300.

Nos lençóis freáticos

Se os habitantes conseguiram cultivar em pleno deserto uma uva que se tornou famosa em todo o país, foi graças aos 5 mil quilômetros de canais. Mas, superexplorados e mal cuidados, estes secaram. Somente 300 dos 1.237 karez registrados em 1957 ainda estão em funcionamento. O ecossistema que havia se organizado em torno deles está se degradando.

Ao mesmo tempo, a produção agrícola, principal fonte de atividade econômica em Turpan, decolou. A área a ser irrigada passou de 60 mil hectares em 1970 para 113 mil em 2008. Como os karez não fornecem mais água o suficiente para garantir os rendimentos e alimentar as habitações modernas, o vilarejo começou a retirar diretamente dos modestos lençóis freáticos.

Como consequência direta dessa decisão, seu nível tem baixado de 1,5 a 2 metros por ano, calcula o Banco Mundial. “Com o rápido crescimento econômico desses últimos anos, o consumo de água vem subindo e ultrapassa as quantidades disponíveis, levando a um uso excessivo dos lençóis”, observava a instituição em 2010.

“Nos cinco últimos anos, a água se tornou menos abundante, isso se vê particularmente em julho e agosto”, constata Liu Daohong, um trabalhador agrícola que chegou há dez anos da província central de Henan. Ele trabalha em um campo irrigado diretamente pelos lençóis freáticos. Assim como ele, muitos migrantes Han, a etnia maioritária na China, vieram se instalar em Turpan, atraídos pela possibilidade de encontrar um emprego no setor agrícola, nessa região onde a maioria da população pertence à etnia uigure.

A alguns quilômetros ao sul da cidade, a constatação é similar no “jardim botânico”, na verdade um laboratório de pesquisa no meio da natureza sobre a capacidade das plantas de resistirem em zona árida extrema e de servirem de barreira natural contra o avanço do deserto. “Há dez anos, nós podíamos encontrar água a 18 metros de profundidade, mas hoje é preciso perfurar entre 25 e 30 metros. Preferimos utilizar a água a uma profundidade de 156 metros, pois é menos salgada”, explica um professor da Academia de Ciências chinesa, especializada no combate à desertificação.

Ao se conscientizar sobre a ameaça que pesa sobre Turpan, a China deu início a grandes obras, cujo custo deverá ser de US$ 204 milhões (R$ 330 milhões). Três reservatórios serão construídos nas montanhas próximas, a fim de assegurar o abastecimento de água durante o ano, a um custo de US$ 142 milhões (R$ 230 milhões).

No papel, esses projetos apresentam o papel histórico dos karez. Mas as autoridades locais não parecem realmente convencidas do futuro desses canais: do total de somas liberadas, somente US$ 500 mil serão dedicados à recuperação de um único karez, um projeto apresentado como um experimento.

Tradução: Lana Lim

Reportagem [La Chine fait face à une désertification accélérée] de Le Monde, no UOL Notícias.

EcoDebate, 09/05/2011

terça-feira, 3 de maio de 2011

Aldo Rebelo e o Código do Desflorestamento


artigo de Wilmar da Rocha D’Angelis

O Deputado Aldo Rebelo (PCdoB) tem buscado, por todos os meios, explicar algumas inaceitáveis (e, talvez mesmo, inexplicáveis) concessões ao agronegócio, no que se refere ao novo Código Florestal, no que ele qualifica como “o equilíbrio possível”.

A argumentação de Rebelo é da mais pura retórica. Em primeiro lugar, quer nos fazer crer que todo o seu esforço é tão só e simplesmente por salvar da falência – que viria por conta das multas por transgressão do código florestal – a milhares de pequenos agricultores. O fato é que centenas de grandes e poderosos fazendeiros e empreendimentos de agro-negócio efetivamente se beneficiarão (em prejuízo do bem comum), mas o Deputado parece considerar isso um pequeno e desprezível efeito colateral.

O deputado também abusa da retórica quando sugere que alguém gostaria de enquadrar na legislação atual propriedades abertas ao tempo de Tomé de Souza. Alguém precisa avisar o deputado que, sendo o foco dos problemas ambientais no Brasil atual, sobretudo as terras de cerrado e da Amazônia, Tomé de Souza ou qualquer outro Governador Geral nada tem a dizer. Mas é importante para a argumentação de Rebelo misturar e confundir os fatos. Pelo mesmo motivo ele sugere que o reconhecimento, como Áreas de Preservação, das terras acima de 1.800 metros, inviabilizaria a ocupação dos altiplanos no Peru e na Bolívia. Só faltou, como máximo exagero, dizer que o melhor a fazer, para atender aos ambientalistas, é devolver o Brasil aos índios.

O outro foco da argumentação de Aldo Rebelo está na insistência de que “nenhum” país do mundo possui qualquer legislação que trate de Reserva Legal ou algo equivalente. Sequer a mata ciliar estaria legalmente protegida naqueles que ele referiu como “países ditos ‘civilizados’”. A pergunta, ora explícita, ora implícita, que o Deputado nos dirige é: por que nós temos que fazer isso, se os “concorrentes” (o termo é dele) dos nossos produtores não o fazem?

Não é preciso ouvir ou ler mais nada do que diz o Deputado para que se revele o que ele entende por “princípios” ou “códigos éticos” de conduta. O raciocínio dele, pobre, mas cristalino, é esse: se os outros não fazem, por que é que nós vamos fazer?

Como todos sabemos, esse é o raciocínio que justifica toda sonegação fiscal, toda corrupção, todo superfaturamento de obras, todo aumento absurdo de proventos de Parlamentares em todos os níveis. Em resumo: o raciocínio do tipo “se ninguém faz, por que nós vamos fazer?” é o argumento dos sem princípio.

O último tipo de argumento, também falacioso, do deputado comunista, sugere que a manutenção da exigência de um grande percentual da propriedade rural como reserva legal (na Amazônia, sobretudo) significa abrir mão de território, de solo, de subsolo e de recursos hídricos que, de outro jeito, estariam contribuindo para “elevar o padrão de vida material e espiritual” da população brasileira (as palavras entre aspas são do artigo do deputado no Estadão, em 30 de abril último). Será que o Deputado prestou atenção, há algumas décadas atrás, quando se propalava aos quatro ventos que o ouro e os minérios de Carajás pagariam nossa dívida externa? Será que o Deputado não sabe que a exploração do minério em Carajás, ao contrário, aumentou nossa dívida externa (pela construção de uma ferrovia e de um novo porto no Maranhão) e, ao final, a riqueza que continua sendo produzida lá não enriquece ao povo brasileiro, mas àqueles que já são ricos? Será que o deputado acredita, sinceramente, que as enormes plantações de soja que destroem floresta amazônica, áreas de pantanal e de cerrado, e comprometem nossos recursos hídricos, para produzir a alimentação do gado no 1º mundo, estão “elevando” nosso padrão de vida material e espiritual?

Será que o deputado acredita na teoria da conspiração que propala por aí, de que os países ricos “usam o meio ambiente para nos bloquear o acesso a uma vida melhor”? Será o Deputado Aldo Rebelo uma pessoa tão obtusa e de raciocínio tão confuso? Ou terá ele se tornado apenas mais um subserviente dos acordos com o agro-negócio, jogando no lixo as bandeiras históricas daqueles que construíram, no passado, alguns dos mais importantes partidos de esquerda no Brasil?

Há alguns anos o deputado Aldo Rebelo ganhou certa notoriedade ao tentar legislar sobre a língua portuguesa. Escreveu absurdos, fruto de uma péssima assessoria e do mau hábito de parlamentares de julgarem-se peritos em qualquer coisa. Na época, aliás, ninguém alertou ao Deputado Rebelo que em “nenhum país do mundo” se legisla sobre língua; ao menos, isso não acontece em países ditos “civilizados”. Lembrei-me, com alguma nostagia, daquela iniciativa ingênua do deputado. Se aprovada aquela sua lei anti-estrangeirismo (era disso que se tratava), ela seria inócua, isto é, não produziria efeitos sobre a realidade lingüística, como não produziu efeito a revogação da Lei da Gravidade, por aquele prefeito do interior, segundo uma antiga piada. Mas, se aprovada sua versão negociada do Código Florestal, o futuro condenará nossa geração por essa opção lesa-pátria. E ninguém, no futuro, nos concederá a desculpa da ingenuidade, muito menos para o Deputado Aldo Rebelo.

Registra a memória brasileira dos tempos da ditadura, que um dos generais ditadores do Brasil, indagado sobre o que achava de Chico Buarque, teria dito que gostava muito da “fase romântica” do compositor. Chamado a comentar a resposta do general, Chico Buarque teria respondido: “Também me agradava a fase romântica do General”.

Lembro dessa história aqui, para dizer que, apesar de ingênua e equivocada, lembro com alguma saudade da fase de “gramático” e “normatizador a língua” do Deputado Aldo Rebelo.

Wilmar da Rocha D’Angelis
Linguista e indigenista, é professor no Instituto de Estudos da Linguagem na Unicamp

Fonte