terça-feira, 20 de outubro de 2009

A Harrods e os casacos de pele



por Paulo Nogueira

E então vou à Harrods. Não dá para ir a Londres sem ir à Harrods, em Knightsbridge. Quer dizer. Dá. Mas é um erro. Penso em fazer algumas compras. Verifico por curiosidade o preço do primeiro produto que vejo, um casaco de pele: 20 mil libras. Mentira: 19 900. Me faz perder o apetite por compras. A carteira permanece no bolso. Gosto do lema da Harrods. É uma frase latina. Omnia Omnibus Ubique. Tudo para todos, em todo lugar. Mais ou menos isso. Não entendo direito o sentido, mas é uma expressão retumbante. Tudo para todos? O casaco também? Poucas empresas sobrevivem aos primeiros anos. A Harrods tem 175. A primeira escada rolante do mundo apareceu na Harrods em 1898. Uma bebida, no final da escada, acalmava clientes nervosos com a subida.

Muitas histórias.

Mas a mais divertida que conheço tem como protagonista Pattie Boyd, a primeira mulher de George Harrison. George mantinha uma conta aberta para Pattie na Harrods. Pattie se apaixonou por Eric Clapton e deixou George por ele. George e Eric eram grandes amigos. Já casada com Eric, que escreveu “Layla” em sua homenagem, num final de ano Pattie foi à Harrods para fazer as compras de natal. Colocou tudo na conta bancada por George. Só então descobriu que George a encerrara. Ela narra o episódio em sua autobiografia. Parecia realmente surpresa com a perda da conta aberta depois de abandonar o homem que a mantinha.

Sábado é dia de protesto em frente da Harrods. Defensores dos direitos dos animais empunham cartazes e distribuem panfletos. Eles querem que os consumidores boicotem a Harrods enquanto continuarem a ser vendidos ali casacos de pele de animais. Me ocorre a palavra alemã “zeitgeist”, o espírito do tempo. Cada vez mais gente tende a militar pelos animais. Podemos matá-los para fazer churrasco e casacos de pele? Não, não sou militante. Na própria Harrods, no celebrado Food Hall, pedi um frango assado parecido com aqueles que a gente vê na frente de muitas padarias no Brasil. Provavelmente o melhor que já comi, aliás. Molho soberbo. Mas. Mas confesso que às vezes me vejo com uma ponta não vou dizer de arrependimento, mas de dúvida. Deveria rever alguns conceitos? Vou enfrentar algum livro de Peter Singer, o aclamado filósofo que defende os animais? Talvez mais para a frente. Não agora. Minhas prioridades são outras.

Na saída da Harrods apanho um panfleto de uma militante. Fotos de animais com um sofrimento épico. A moça que me passou o panfleto tem um ar tristonho - um notável contraste com a alegria barulhenta e consumidora das pessoas que abarrotavam a Harrods naquela manhã de sábado.

Fonte: Época

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