segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Somos as mundanças que queremos no planeta



"Somos as mundanças que queremos no planeta"

Esta frase que parece arrogante é, na verdade, o testemunho do que significa o projeto “Cultivando Agua Boa” implementado pela grande hidrelétrica Itaipu Binacional nos limites entre o Brasil e o Paraguai envolvendo cerca de um milhão de pessoas. Os diretores da empresa – Jorge Samek e Nelton Friedrich – com suas equipes sabiamente entenderam o desafio global que nos vem do aquecimento global e resolveram dar uma resposta local, o mais inclusiva e holística possível. Esta se mostrou tão bem sucedida que fez-se uma referência internacional.

Seus diretores-inspiradores dizem-no claramente: ”A hidrelétrica Itaipu adotou para si o papel de indutora de um verdadeiro movimento cultural rumo à sustentabilidade, articulando, compartilhando, somando esforços com os diversos atores da Bacia Paraná 3 em torno de uma série de programas e projetos interconectados de forma sistêmica e holística e que compõem o Cultivando Agua Boa; eles foram criados à luz de documentos planetários como a Carta da Terra, o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis, a Agenda 21 e os Objetivos do Milênio”.

Operaram, o que é extremamente difícil, uma verdadeira revolução cultural, vale dizer, introduziram um complexo de princípios, valores, hábitos, estilos de educação, formas de relacionamento com a sociedade e com a natureza, modos de produção e de consumo que justifica o lema, escrito em todas as camisetas dos quatro mil participantes do último grande encontro em meados de novembro:”somos as mudanças que queremos no planeta”.

Com efeito, a gravidade da crise do sistema-vida e do sitema-Terra é de tal magnitude que não bastam mais as iniciativas dos Estados, geralmente, tardias e pouco eficazes. A Humanidade inteira, todos os saberes, as instâncias sociais e as pessoas individuais, devem dar a sua contribição e tomar o destino comum em suas mãos. Caso contrário, dificilmente, sobreviveremos coletivamente.

Christian de Duve, prêmio Nobel de Fisiologia de 1974, nos adverte em seu conhecido livro “Poeira Vital: a vida como imperativo cósmico”(1997) que “nosso tempo lembra uma daquelas importantes rupturas na evolução, assinaladas por extinções em massa”. Efetivamente, o ser humano tornou-se uma força geofísica destruidora. Outrora eram os meteoros rasantes que ameaçavam a Terra, hoje o meteoro rasante davastador se chama o ser humano sapiens e demens, duplamente demens.

Dai a importância de “Cultivando Agua Boa”: mostrar que a tragédia não é fatal. Podemos operar as mudanças que vão desde a organização de centenas de cursos de educação ambiental e capacitação, do surgimento de uma consciência coletiva de corresponsabilidade e cuidado pelo ambiente, da gestão compartilhda das bacias hidrográficas, de incentivo à agricultura familiar, da criação de um refúgio biológico de espécies regionais, de corredores de biodiversidade unindo várias reservas florestais, de mais de 800 km de cercas de proteção das matas ciliares, do resgate de todos os rios, do cultivo de plantas medicinais, da geração de energia mediante os dejetos de suinos e aves, da construção de um canal de 10 km para vencer um desnível de 120 metros e permitir a passagem de peixes de piracema até a criação de um Centro Tecnológico, Centro de Saberes e Cuidados Ambientais e da Universidade da Integração Latino-Americana entre outras não citadas aquí.

A sustentabilidade, o cuidado e a participação/cooperação da sociedade civil são as pilastras que sustentam este projeto. A sustentabilidade introduz uma racionalidade responsável pelo uso solidário dos recursos escassos. O cuidado funda uma ética de relação respeitosa para com a natureza, curando feridas passadas e evitando futuras e a participação da sociedade cria o sujeito coletivo que implementa todas as iniciativas. Tais valores são sempre revisados e pactados. O resultado final é a emergência de um tipo novo de sociedade, integrada com o ambiente, com uma cultura da valorização de toda a vida, com uma produção limpa e dentro dos limites do ecossistema e com profunda solidariedade entre todos. Uma aura espiritual benfazeja perpassa os encontros como se todos se sentissem um só coração e uma só alma.

Não é assim que começa o resgate da natureza e o nascimento de um novo paradigma de civilização?

* Leonardo Boff é Teólogo

** Artigo socializado pela ALAI, América Latina en Movimiento e publicado pelo EcoDebate, 20/12/2010

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